Réquiem Verde Para A Democracia 01/09/2024 Luiz Felipe

Réquiem verde para a democracia – 01/09/2024 – Luiz Felipe Pondé

Celebridades Cultura

Uma das grandes mentiras do nosso debate público em política hoje é o confesso paixão à democracia. Só prezamos a democracia quando o povo vota em quem votamos. Se não, há uma crise grave na democracia.

Derrubar o X no Brasil é a prova de que, às vezes, quem fala que defende a democracia, na verdade, só quer a transformar no seu clubinho de fãs. O termo da picada. Uma humilhação: um juiz faz o que quer e não há ninguém de muito no poder que possa detê-lo.

Tenho certeza de que em alguns séculos nossos descendentes se perguntarão: finalmente qual seria a razão de tanto exposição meloso acerca desse falso paixão quando obviamente ele não existe? Ou melhor, esse paixão, aliás, uma vez que todo paixão, é condicionado por premissas prévias.

As acusações à direita de que os conservadores são antidemocráticos são largamente conhecidas. Muitos deles cristãos reacionários, ou seculares mal resolvidos.

Mas, se faz necessário trazer à luz, também, as insatisfações da esquerda com relação à democracia liberal. Vale a pena lembrar que, já desde o século 19, figuras uma vez que Marx, e mesmo Lênin, já no século 20, consideravam a democracia um regime a serviço dos interesses da mediocracia: o Estado liberal democrático zero mais seria do que um comitê executivo a serviço dos interesses da classe dominante.

A conversão da esquerda à democracia é ulterior, e sempre um tanto incerta. Não entro cá em questões outras tais uma vez que se funcionaria muito uma democracia liberal num país uma vez que o Brasil em que as instituições são em grande medida corruptas nalgum momento da sua história ou nalgum gavinha da sua ergástulo operacional.

Minha questão é mais estrutural. Vamos trabalhar com um exemplo muito didático: a questão do clima e a legitimidade institucional dos seus órgãos decisórios e acordos multilaterais —suas “COP’s bizantinas”. Na verdade, essa legitimidade passa pelo Estado vernáculo e sua soberania popular limitada.

É cá que a porca torce o rabo.

Deixo para os especialistas a discussão do clima. Conheço epistemologia —teoria da ciência— o bastante para saber que aspectos fora do cinturão racional, uma vez que dizia Imre Lakatos no século 20, se misturam aos aspectos racionais ou determinados pelo método científico enquanto tal. Basta ver a contaminação do tema pela polarização para ver esses aspectos fora do cinturão racional em operação.

A questão do clima não é unicamente científica, ela é política, ideológica e de mercado: profissionais do debate público apostam na questão do clima uma vez que seu nicho no negócio das ideias, uma vez que se dizia no século 19, diríamos, uma vez que “sua fatia de mercado”. Opções de curso, de sociabilidade entre pares, de pertencimento a instituições que atribuem credibilidade a estes profissionais estão em toda secção, para o olhar treinado em sociologia do mercado intelectual.

É fácil se perceber o conflito entre o investimento político e de curso na questão do clima, e no seu esplendor institucional multilateral internacional de soberania incerta, e o confesso paixão à democracia liberal limitada à soberania vernáculo. E o conflito é estrutural.

Esse descompasso trai, se o profissional do mercado das ideias em questão for de esquerda, o conflito de tornar as “políticas do clima” legítimas sob o modo de operação da soberania na democracia liberal. E é levante descompasso que traz à luz os limites do paixão da esquerda contemporânea à democracia, e, com isso, ela retorna ao início da esquerda histórica, ao duvidar do valor político das democracias liberais.

Nas democracias liberais há que se dar atenção a opinião popular na competição por votos —as eleições—, e, nesse sentido, os políticos estão preocupados em deleitar ao povo que pode está longe de “crer” na questão do clima.

As “políticas do clima” pensam o tempo numa graduação muito mais longa do que os mandatos na democracia liberal. A pergunta que surge no coração da esquerda virente é: o clima pode esperar o tempo político das democracias? Suspeito que não.

O problema é que os defensores da agenda do clima não podem se deixar confundir com golpistas, e, portanto, são obrigados a mentir sobre o que pensam: a democracia liberal vernáculo deve ceder sua soberania a alguma forma de governo global de tecnocratas do clima. E daí tocam, em sigilo, seu réquiem para democracia. Você consegue ouvir a música? Não?


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Folha

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