Rubem fonseca: veja arquivo com inéditos, cartas e fotos

Rubem Fonseca: Veja arquivo com inéditos, cartas e fotos – 22/04/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Já se passaram cinco anos de sua morte, mas Rubem Fonseca ainda fala. Logo mais, em maio, chega seu centenário, e sua voz continua inconfundível.

Que o diga a editora e escritora Bia Corrêa do Lago, filha do responsável. Desde 2020, ela vem pesquisando o registro deixado pelo pai, hoje em murado de 60 caixas, que a cada dia revelam mais sobre ele. “Estou mantendo meu pai vivo”, diz ela em uma conversa no Rio de Janeiro. “Quando perfazer leste ano, ele vai morrer, né?”

Não vai. Se não fosse pela obra em si, formada por dezenas de contos e romances que mudaram o rumo da literatura brasileira, seria pelo sem-fim de possibilidades que o ror deixado por Rubem Fonseca apresenta.

É surpresa detrás de surpresa. O conjunto reúne bilhetes, correspondências, datiloscritos anotados, manuscritos, caderninhos, fotografias milénio, textos inéditos de ficção e não ficção —até as declarações de Imposto de Renda de uma vida inteira estão lá.

“É um ror uma vez que poucos escritores brasileiros têm”, diz o editor e colecionador de manuscritos Pedro Corrêa do Lago, marido de Bia e um dos principais conhecedores de arquivos históricos do Brasil, que tem colaborado na exploração do material.

Na semana passada, os dois receberam a Folha para mostrar secção desses documentos pela primeira vez a um jornalista —tipo de pessoa, diga-se, que Rubem Fonseca evitou por décadas, discretíssimo que era.

Bia escava material para uma fotobiografia do pai, com previsão de lançamento para leste ano pela editora do par, a Capivara. É um trabalho que vai não só espessar a parca iconografia de um responsável que escapava da prensa, mas também revelar aspectos de sua vida que até a filha conhecia pouco.

Um pedaço das descobertas já vai parar em livro: dois textos inéditos foram incluídos na edição de contos completos a ser lançada pela Novidade Fronteira em maio, uma vez que secção das comemorações pelo centenário do responsável, no dia 11.

“Natal” e “Arinda” são de 1948 —ou seja, antes da estreia de Rubem Fonseca na literatura, em 1963, com “Os Prisioneiros”. E do baú de onde saíram há muito mais. “Achei muitos contos da juventude. Esses dois são de quando ele tinha 20 e poucos anos, mas tem muitos com 17, 18 ou 19 anos”, afirma Bia.

Os textos juvenis poderiam, em tese, mostrar para a solução de um mistério de décadas. Mais de 20 anos antes de sua estreia literária, Rubem Fonseca tentou publicar um volume de contos —mas o editor a quem entregou o livro perdeu o original, que era a única transcrição.

Alguma chance de os textos no registro serem os contos perdidos? “Não tenho uma vez que saber se são cópias do que ele entregou à tal editora ou se são o refugo que ele não usou”, afirma Bia.

De todo modo, há outros exemplares da juventude, uma vez que um conjunto de textos batizados de “romances de oito linhas”, com narrativas brevíssimas. Um datiloscrito desse grupo, intitulado “Veritas”, é de quando Fonseca tinha 18 anos e fala de um estatuário que tenta “modelar a Verdade”. “De repente, num assomo, o estatuário quebrou-a. E nunca mais tentou esculpir coisas que não existem”, escreveu.

“Desde jovem, a literatura dele já tinha uma desilusão, falava de uma impossibilidade de felicidade, de completude ou de saber o outro… É uma literatura de várias camadas”, diz Bia.

Outra das descobertas é um datiloscrito anotado do raconto “Feliz Ano Novo”, do livro de mesmo nome que foi um dos maiores best-sellers de Fonseca —foi censurado pelo regime militar, em 1976, e publicado de novo mais de 20 anos depois.

No campo da ficção, há ainda um romance epistolar chamado “Manuel e Léia” e fichas preparatórias que indicam que o raconto “Onze de Maio”, incluído em “O Cobrador”, de 1979, pode ter sido pensado inicialmente uma vez que um romance.

Uma das partes mais valiosas do ror do plumitivo é a correspondência, que tem um volume surpreendente se considerarmos que Zé Rubem, uma vez que era sabido pelos mais próximos, começou a usar computadores cedo.

Pedro Corrêa do Lago trabalhou na organização dessas cartas. Há mensagens curtas em tom de galhofa, na qual João Ubaldo Ribeiro, por exemplo, se gaba de suas posses tecnológicas: “Meu custoso colega Zé Rubem, me desculpe a franqueza, mas sua impressora não é de varão”.

A coleção ainda tem bilhetes curtos de Chico Buarque (“Me diverti à beça com a leitura de ‘O Buraco na Parede’”) e Isabel Allende (“Uma pena não ter visto você em Berlim”), entre outros.

“Tinha também as cartas com os tradutores, agora separadas”, aponta Pedro, antes de fazer um acréscimo rindo. “E até as cartas de uns chatos.”

Nessa lista, estão alguns escritores que enviavam originais em procura de conselhos, embora nem todos fossem de vestuário chatos e alguns tenham se tornado pupilos do responsável de “A Grande Arte”. Zé Rubem não só respondia uma vez que guardou cópias de secção dessas respostas, sempre sinceras.

O ror tem também algumas cartas enviadas por Rubem. Nos murado de 20 anos em que foi executivo na Light, tinha secretárias que organizavam sua correspondência —e se preocupava em fazer cópias das respostas que recebia no missão. Também guardou cartas da família, uma vez que missivas que recebeu do irmão dentista que foi servir na Itália durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao mesmo tempo, os admiradores da obra do plumitivo, sabido pela prosa, talvez se surpreendam ao saber um outro lado seu —a verso que escreveu, sobretudo, em idade mais avançada. “Encontrei muitos manuscritos com versos”, diz Bia. “Mas é uma verso estranha, muito Rubem Fonseca, muito dura.”

A secção iconográfica é um mundo à secção. As imagens que vão parar na fotobiografia mostram o responsável em situações uma vez que uma visitante a Carmen Miranda, em Los Angeles, em 1954, ou entregando um envelope a Pelé —num ano em que Zé Rubem teve a teoria de presentear os jogadores da seleção brasileira com ações da Light.

E há pelo menos uma secção do registro que ainda é um mistério a ser esclarecido: os disquetes, que devem vigiar os últimos anos de correspondências do responsável, provavelmente por email. A filha já encomendou nos Estados Unidos um aparelho para ler esses hoje jurássicos dispositivos, mas ainda não o recebeu.

De todo, a extensão do registro do plumitivo não deve tirar a atenção de outro ror valiosíssimo, o próprio testemunho de Bia, enxurrada de histórias para relatar sobre o pai.

Por exemplo: você sabia que o recluso responsável americano Thomas Pynchon teria vindo ao Brasil nos anos 1980 e saiu para jantar com Rubem Fonseca? A livraria do brasílico tem até um livro com dedicatória do colega gringo.

E aquela história de que Rubem Fonseca só tinha pupilas literárias, não pupilos? Pura malícia, diz Bia, rindo. Também auxiliou vários escritores homens.

Cinco anos depois da morte do responsável, é o relato de Bia que também o traz à vida. “Uma amiga minha falou: ‘Ah, mas seu pai não gostava de dar entrevista, não falava da vida dele, você vai mostrar tudo?’ Ué, ele deixou [o acervo]. Se ele quisesse, ele queimava. Ele deixou tudo para eu fazer o que quiser.”

Folha

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