“Cá tem que ser uma moradia de todos os santos”, costuma pregar o gerente do Sebo do Messias, Cleber Aquino, plantado muito às costas da Catedral da Sé.
“Tem cliente que vê a Bíblia ao lado de um livro sobre umbanda e vem reclamar comigo. Já vi gente comprar coisa só para rasgar na minha frente. Eu sempre digo não, minha senhora, cá tem que ser de todo mundo.”
Pudera. O maior sebo de São Paulo tem hoje um estoque estimado em 3 milhões de produtos, murado de um sexto disso no ror para compra imediata. Vende de gibi da Marvel a revista de mulher pelada, de álbuns já gastos a pequenos eletrodomésticos —vende sobretudo livros, num ritmo alucinante.
Saem murado de milénio produtos por dia do repositório do Messias para a moradia dos clientes, a um tíquete médio de dez reais. Se não é um lucro exorbitante, é uma operação de guerrilha que precisa de engrenagens muito muito lubrificadas para permanecer de pé.
Hoje toda concentrada no coração da capital paulista, a livraria mudou de mãos desde o ano pretérito —provavelmente o mais marcante de sua história de 55 anos, por dois motivos.
Em dezembro, a equipe perdeu seu fundador e oráculo, o mineiro Messias Antônio Coelho, e passou a ser liderada por suas filhas, Daniela e Lilian, ao lado de Aquino, que trabalha ali desde 2002, quando foi contratado para inaugurar o braço virtual do negócio, que hoje vende tanto quanto a loja física.
O vazio do patriarca, morto aos 83 anos, se preencheu por trabalho dobrado. Em setembro, numa movimentação ainda supervisionada por ele, o sebo adquiriu murado de 2 milhões de exemplares da extinta rede Saraiva, que dominava o mercado antes de ter a falência decretada em 2023, numa exemplar de seu poder de queima.
É livro que não acaba mais. Segmento deles está exposta num endereço já cativo dos paulistanos desde o primórdio do século, na terreiro João Mendes, com 1.100 metros quadrados que se equilibram em quatro andares —um labirinto de papel e luz branca com o qual leva tempo para se familiarizar.
Se essa ponta do iceberg já impressiona, entrar no estoque subterrâneo do Messias se parece com tombar no túnel da Alice de Lewis Carroll. Naquela garagem de mais 2.000 metros quadrados em dois pisos, é feita a triagem de todas as obras que chegam ao sebo.
Ao descer as duas rampas pela qual entram caminhões atulhados de exemplares, geminar à esquerda e dar poucos passos, o visitante já se depara com dezenas de milhares de livros empilhados em montanhas que Aquino voto terem uma organização que faz sentido.
A partir daí começa o trabalho de murado de dez funcionários —a empresa tem 47— responsáveis pela catalogação, registro fotográfico e minuciosa conferência de tudo o que chega ali. Segundo o gerente, se você doa um livro para o Messias, em no supremo 15 dias ele já estará disponível para outros leitores.
A equipe inclui algumas pratas da moradia, porquê Stênio Alencar, de 83 anos e 25 de contrato, que os colegas costumam folgar que organizava as estantes da Livraria de Alexandria —e é suspeito de botar queima nela, numa piada que escuta sorrindo porquê se já a tivesse ouvido centenas de vezes.
Pouco antes da visitante da Folha, numa manhã de quinta-feira, os funcionários tinham lidado com uma doação de mais de 70 milénio livros que viajaram em três caminhões de Cataguases, em Minas Gerais, posteriormente a morte de uma colecionadora contumaz.
Toda a livraria da finada foi direto para o Messias, porquê é regra intercorrer em casos desse porte. Assim, o sebo não se morosidade escolhendo a dedo o que quer levar nem deixa o vendedor encalhado só com livros de que ninguém quer saber.
O atacado, por mais que possa tanger insensível com produtos porquê livros, acaba sendo um bom negócio para os dois lados —o sebo paga mais barato por livros de valor e o vendedor consegue se livrar rápido de tudo, sem se preocupar muito com logística.
Compras grandiosas assim às vezes assustam os funcionários. “O que eu sempre lembro a eles é que esses 70 milénio livros se derretem em duas semanas”, conta Aquino, querendo proferir que o filé mignon de grandes coleções costuma ser arrematado com velocidade estonteante por leitores atentos.
Muitos desses compradores, diz ele, são outras lojas buscando revender as obras. “Se o Messias fechar amanhã, olha, uns 30% das livrarias de São Paulo fecham junto”, se vangloria o gerente.
É um padrão de negócios complicado de estruturar. “Eu não consigo calcular o meu volume de ingressão”, diz Aquino, com sotaque da cidadezinha de Liberdade, a 350 quilômetros de Belo Horizonte. “Se estou trabalhando com um número, alguém liga e fala, minha mãe morreu e deixou 5.000 livros. Aí já era.”
Nas encomendas mais modestas, uma equipe especializada vai ao sítio garimpar o que há de mais valioso ali. Naquela quinta-feira, um livro didático assinado por Cecília Meireles, “Rute e Alberto Resolveram Ser Turistas”, datado de 1938 e autografado pela autora, estava disposto detrás de um vidro e fichado com valor de R$ 7.000.
Joias porquê essa são oferecidas no Messias com a mesma naturalidade que livros de preço mais barato que uma coxinha com catupiry. Não é de se espantar quando você entende a psique do negócio.
“Meu pai nunca teve apego a livros”, diz Daniela Guimarães Coelho, uma das herdeiras do fundador. “Se ele se apegasse, se ficasse guardando edições raras, não ia conseguir vender zero. Ele não tinha tempo de ler, vivia totalmente para o trabalho e a família.”
Messias teve uma curso folclórica, vindo da cidade mineira de Guanhães, onde capinava a roça de sua gente desde muchacho. Aos 23 anos, se mudou para São Paulo, onde trabalhou porquê ajudante de garçom e passou a vender livros de porta em porta por sugestão do pai de sua hoje viúva, dona Julian.
O que era um jeito de “fazer um dinheirinho por fora”, porquê ele contou em sua última entrevista à Folha, virou coisa séria quando um cliente morreu e a família ofereceu que Messias comprasse sua livraria de 5.000 livros. Da garagem modesta onde armazenou essa primeira coleção, ergueu a empresa que subiu ao topo do ramo no país.
Durante 30 anos, o livreiro não tirou férias. Chegava a remunerar boletos de faculdade de clientes fiéis. Se o seu prazer não estava na literatura, sem incerteza estava no trabalho —e em um caso porquê esse, quem dirá qual a diferença?