O Supremo Tribunal Federalista (STF) caminha para pacificar a controvérsia sobre a existência ou não de vínculo empregatício no trabalho via aplicativo, seja ele de transporte ou de entrega de mercadorias. A partir de sexta-feira (23), o plenário irá sentenciar se há repercussão universal em um caso emblemático sobre o matéria.
O eventual reconhecimento da repercussão universal no Supremo é o primeiro passo para que a Incisão produza uma tese vinculante para todo o Judiciário, isto é, uma decisão que deverá ser seguida por todos os magistrados do país, trabalhistas ou não. Podem ser afetados aplicativos uma vez que Rappi, Loggi, Uber, 99, Zé Delivery e iFood, entre outros.
O tema chegou a entrar na taxa do plenário, na semana passada, mas por meio de uma reclamação, tipo de processo cuja decisão se aplica sobretudo ao caso privado. Ou seja, ainda que criasse um precedente, o desfecho não seria vinculante, e as demais instâncias da Justiça não estariam maquinalmente obrigadas a segui-lo.
O processo, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes e que envolvia um entregador do aplicativo Rappi, acabou não sendo julgado e foi retirado de taxa. Os ministros agora deverão dar preferência a um recurso inopinado relatado pelo ministro Edson Fachin. É esse novo processo, que envolve um motorista do aplicativo Uber, que foi apresentado uma vez que candidato à repercussão universal.
A Procuradoria-Universal da República (PGR) já se manifestou favorável à enunciação de repercussão universal no caso. Segundo o órgão, foram registrados na Justiça do Trabalho, entre o início de 2019 e junho de 2023, mais de 780 milénio processos com pedido de reconhecimento de vínculo entre os trabalhadores e aplicativos de transporte e entrega.
“A material tem nítida densidade constitucional e apresenta relevância do ponto de vista político, social e jurídico”, escreveu a portanto procuradora-geral da República, Elizeta Ramos.
Para resolver a questão, o Supremo precisa lastrar dois princípios constitucionais, frisou ela: o do valor social do trabalho e o da livre iniciativa.
Já de olho no provável reconhecimento da repercussão universal, diversas entidades pediram ingresso uma vez que interessadas no recurso inopinado sobre o matéria, incluindo a Medial Única dos Trabalhadores (CUT) e a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), entre outras.
Polêmica
Não é vasqueiro o vínculo empregatício ser reconhecido pelas instâncias trabalhistas. No caso concreto julgado pelo Supremo, por exemplo, o pedido foi facultado ao motorista do Uber pela 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
As plataformas, entretanto, vêm recorrendo ao Supremo para distanciar os entendimentos da Justiça especializada, e o meio preposto para isso tem sido a reclamação.
As empresas alegam que a Incisão já decidiu sobre o matéria quando permitiu a terceirização de atividades-fim, por exemplo, e autorizou formas diferenciadas de contrato de trabalho, que não precisam seguir as regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O argumento tem sido muito recebido por alguns ministros do Supremo, uma vez que Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, que em decisões monocráticas tem asilado essas reclamações. Em dezembro, a Primeira Turma da Incisão também derrubou um vínculo que havia sido reconhecido pela Justiça do Trabalho, por exemplo.
O tema, todavia, ainda não chegou ao plenário, onde deverá ser discutido por todos os 11 ministros que compõem o Supremo. Em parecer, a PGR criticou que o matéria venha sendo tratado por meio de reclamações, tipo de processo que não permite o debate aprofundado, uma vez que aquele proporcionado pela sistemática da repercussão universal.
Manifestações
Uma fluente de juristas e advogados defende que o Supremo deveria respeitar o entendimento da Justiça do Trabalho sobre o matéria. O argumento é que a Constituição determina que a cultura para julgar relações trabalhistas é do ramo especializado.
Foi convocada para quarta-feira da próxima semana, 28 de fevereiro, uma revelação, com a participação da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para proteger a cultura constitucional da Justiça do Trabalho.
Segundo a OAB-SP, a expectativa é de que o protesto receba o base de 100 instituições espalhadas por ao menos 20 estados. Em São Paulo, o ato está marcado para as 13h, em frente ao Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, no bairro da Barra Fundíbulo.
Em novembro, a OAB e outras 66 entidades assinaram uma Epístola em Resguardo da Conhecimento Constitucional da Justiça do Trabalho. O documento atesta a “mortificação em face das restrições à cultura constitucional da Justiça do Trabalho e enorme instabilidade jurídica provocada pelas recentes decisões do Supremo Tribunal Federalista”.
“A Suprema Incisão, a pretexto de manter sua mando preservada, vem cassando decisões trabalhistas que declaram vínculo de tarefa, mesmo quando as provas do caso específico demonstram que a verdade dos fatos está em desacordo com o contrato firmado”, disse o presidente da Percentagem de Advocacia Trabalhista da OAB SP, Gustavo Granadeiro.
Uma outra epístola pública, lançada na semana passada pelo núcleo de pesquisa e extensão O Trabalho Além do Recta do Trabalho, da Faculdade de Recta da Universidade de São Paulo (USP), defende que sejam realizadas audiências públicas pelo Supremo antes que o protótipo de trabalho por aplicativos seja julgado.
O texto também defende que cabe à Justiça do Trabalho sentenciar sobre o tema, além de criticar o “uso desarrazoado e desproporcional das reclamações” para virar no Supremo as decisões trabalhistas de reconhecimento de vínculo empregatício.