Começava a primeira presidência de Donald Trump, em 2017, quando Tracy K. Smith foi eleita a poeta laureada dos Estados Unidos —um função solene, selecionado pela Livraria do Congresso, para que a escritora atuasse porquê uma espécie de embaixadora da trova vernáculo durante dois anos.
Nessa era, Smith viajou o país fazendo eventos por pequenas comunidades rurais, lugares que não costumavam receber festivais literários e onde, ela diz, muita gente trazia seus filhos para ver pela primeira vez uma pessoa negra falar em público.
“Foi muito num momento em que sentíamos uma mudança radical no nosso vocabulário, quando as pessoas pareciam autorizadas a desrespeitar umas às outras”, lembra. “De repente nos vendiam uma teoria de que éramos um país dividido e não podíamos conversar ou entender uns aos outros.”
Mas ela sentia isso porquê uma distorção. Nessas cidadezinhas, que votavam maciçamente em candidatos conservadores, ela costumava ler em grupo um poema sobre uma moço imigrante confusa por não entender o linguagem do novo endereço, portanto ouvia as reações emocionais do público.
“E esta é a segmento mais vulnerável de nós, perceber que as nossas lembranças mais profundas também ressoam em gente que achamos que não têm zero a ver conosco”, afirma a escritora de 53 anos na entrevista por vídeo, um sorriso espaçoso sob dreadlocks com alguns fios brancos. “De repente, estávamos num espaço não de discussão, mas de paixão.”
A vocação de Smith porquê embaixadora da trova agora vai perceber São Paulo, onde ela inaugura nesta sexta-feira o Festival Trova no Núcleo, iniciativa da livraria Megafauna que reúne dezenas de poetas em uma programação que toma vários endereços, mas se concentra no Teatro Cultura Artística.
A americana diz que “às vezes a trova é menos médio” nos festivais literários. “A ficção é mais lucrativa, e os temas da não ficção jornalística são mais automáticos [nessas programações], portanto é importante estar num espaço em que a trova é o coração, porque desde tempos imemoriais é ela que galvaniza a nossa sobrevivência. Lembramos que não somos um nicho.”
A autora chega com o gabarito de quem já venceu o prêmio Pulitzer, uma das principais distinções da trova em seu país, pelo livro “Vida em Marte”, que chega cá pela Relicário com tradução de Stephanie Borges —se você suspeitou que o livro tira inspiração de David Bowie, acertou em pleno.
Descrito porquê um “deus secular” pela autora, ele é a espinha dorsal de uma coletânea que também mobiliza referências porquê “2001 – Uma Odisseia no Espaço” para unir a metafísica sideral às banalidades palpáveis do cotidiano, em procura de uma filosofia que dê qualquer sentido ao dia a dia. Veja só um trecho do poema chamado “Ficção científica”:
“Não haverá bordas, mas curvas./ Linhas límpidas apontando unicamente adiante./ A história, com a lombada rígida e páginas dobradas/ nas pontas, será substituída pela nuance,/ Assim porquê os dinossauros deram lugar/ A montanhas e tumbas de gelo./ Mulheres ainda serão mulheres, mas/ As distinções serão vazias. O sexo,/ Sobrevivendo a toda prenúncio, vai satisfazer/ Exclusivamente a mente, que é onde existirá./ Pelo barato, dançaremos só para nós/ Diante de espelhos emoldurados com lâmpadas douradas./ A mais velha entre nós reconhecerá aquele luz —/ Mas a vocábulo sol terá ganhado outro sentido/ De Sintetizador de Oxigênio Limpo, um aparelho/ Popular nos lares e asilos.”
“Ao mesmo tempo em que cria imagens muito bonitas, Tracy desenvolve uma série de reflexões sobre a transcendência”, diz a tradutora Stephanie Borges, também poeta. “Consegue fazer um poema sobre uma sarau que termina com uma reflexão sobre o indumentária de não sabermos se estamos sozinhos no universo.”
“Isso reflete muito do que me fez amar a trova porquê leitora”, afirma Smith. “A maneira porquê Emily Dickinson consegue ir do pormenor mais tátil, cotidiano, para um pouco que nos joga na graduação da evo. Sempre que uma mudança assim acontece num poema, indo de um pouco inconcebivelmente grande para um pouco que está nas suas mãos, me parece uma estratégia maravilhosa não só para a arte, mas para viver em um mundo que pode ser desconcertante e esmagador.”
Junto com o livro premiado, sai também a seleta de poemas “Uma Penúria Tão Afiada” pela editora Malê, organizada e traduzida por Salso Maranhão e Alexis Levitin. Os dois livros, que lançam a autora no país, vêm em edição bilíngue.
“Trata-se de uma trova de humanidades”, no resumo de Levitin. “Embora a poeta seja afro-americana, não faz trova simplesmente militante, o que não impede que trate de questões identitárias numa subida linguagem de imaginação poética.”
“Ela tem uma perspectiva de autoria negra muito sofisticada, e os poemas são tão bons que não precisam permanecer falando disso o tempo todo”, diz Borges. “Há questionamentos que não são necessariamente ligados ao factual, à lógica de que uma poeta negra deveria dar testemunho.”
A própria Smith concorda. “Nos poemas, eu falo de um lugar que fica aquém de muitos marcadores de identidade que costumamos abordar. Eu sei que sou mulher, que sou negra, que sou americana, mas minhas perguntas são para as partes de mim que são mais profundas que tudo isso.”
“Só que o indumentária de eu ser todas essas coisas significa que há certas histórias de que sou mais consciente e pelas quais sou curiosa. Portanto muitos dos eventos em meus poemas tocam nas experiências de pessoas negras —a raça vira a consciência do meu envolvente.”
Smith portanto se lembra de um de seus poemas mais conhecidos, chamado “Os Estados Unidos Dão-lhe as Boas-Vindas”, que começa da seguinte forma.
“Por que e pelo poder de quem você foi enviado?/ O que você viu que queria roubar?/ Por que toda essa dança? Por que seus corpos escuros/ Bebem a luz até terminar? O que é que você está exigindo/ De nossos sentimentos? Já roubou um pouco? Se não,/ O que está pulando no seu peito?”
A questão é que um poema não procura expressar uma coisa só —nem precisa de uma chave mestra para ser entendido. É um erro generalidade, segundo Smith, que explica em segmento por que a trova ainda é vista porquê um pouco distante, inacessível, para boa segmento do público.
“A trova sempre foi ensinada numa risca ‘cá está um poema que esconde um pouco, você consegue indagar, interpretar e reunir o que ele diz?’ E não é isso que os poetas buscam fazer”, afirma ela, que hoje dá aulas na Universidade Harvard.
“Quando você pede para alguém ouvir, sentir, deixar sua mente vagar em procura das suas experiências que podem ter a ver com esse texto, quando diz que um poema está mais provavelmente perguntando que respondendo um pouco, as pessoas baixam a guarda. E aí elas podem reprofundar.”