O peruviano Mario Vargas Llosa, um dos mais importantes escritores latino americanos e baluarte do liberalismo, morreu neste domingo (13), aos 89 anos, em Lima. A informação foi divulgada por seu fruto, Álvaro Vargas Llosa, nas redes sociais.
Vencedor do Nobel de Literatura, Llosa também foi figura ativa no meio político de seu país. Ele disputou uma eleição presidencial, em 1990, pela coalizão liberal de direita Frente Demócrata (FREDEMO). Se tornou polêmico por proteger, com exaltação, políticos pouco ou zero apreciados no meio literário, porquê Margaret Thatcher e Ronald Reagan.
Em uma entrevista à Folha, de 2022, o repórter comentou suas influências literárias, assim porquê suas opiniões políticas. Quando questionado se preferia Lula ou Bolsonaro nas eleições, também se posicionou à direita: “Não gostaria de escolher entre Lula e Bolsonaro, mas Lula, nunca”.
Vargas Llosa também falou de suas heróis literários, porquê o gaulês Gustave Flaubert e o americano William Faulkner, e as experiências que inspiraram sua geração de livros, notadamente o escola militar retratado em “A Cidade e os Cachorros”, seu primeiro livro.
“O romance tinha muita relação com os problemas de uma sociedade latino-americana”, disse, sobre o livro. “Havia as ditaduras militares, a falta de honestidade dos políticos, as grandes diferenças econômicas entre uma classe humilde e a pequena minoria de ricos. Esses têm sido, desde sempre, os temas que me motivam a ortografar sobre o Peru”.
Relembre a entrevista, de 2022, do célebre responsável à Folha:
Consagrado no romance, discutível na política, o peruviano acumulou adoradores e detratores em igual medida. Encarar esses dois aspectos, o artista e o varão público, com alguma perspectiva e isenção é a pedra no sapato de muitos que tomam contato com seus livros.
Em repercussão na mídia, o pensador de direita vem levando a melhor sobre o ficcionista. Muitas das recentes menções a Vargas Llosa são de reações escandalizadas a suas preferências nas eleições latino-americanas —Keiko Fujimori no Peru (filha do ditador que o derrotou na campanha de 1990), o pinochetista José Antonio Kast no Chile, Jair Bolsonaro no Brasil.
O jornal britânico The Guardian compilou alguns desses comentários. “Conseguir o base de Vargas Llosa é a maior lápide política. Parabéns a Lula”, tuitou o observador político espanhol Daniel Vicente Guisado; “Hasta nunca, Don Vargas Loser!”, cunhou o brasiliano Sérgio Rodrigues, colunista da Folha.
Em entrevista à Folha por videochamada, Vargas Llosa moderou a preferência que havia manifestado por Bolsonaro. O peruviano afirmou ao jornal que não queria estar na pele do votante brasiliano para escolher entre o presidente e Lula, mas reforçou que torce sobretudo por uma itinerário do petista.
A conversa começou por “A Cidade e os Cachorros” (1963), seu primeiro romance, que 60 anos detrás ganhava o Prêmio Livraria Breve, o que permitiu sua publicação. Fruto da traumática experiência do repórter no Escola Militar Leôncio Prado, em Lima, o livro retrata o devastador impacto do autoritarismo na vida de um punhado de garotos e, de forma universal, na sociedade peruana.
Desde logo, a corrosão dos valores democráticos na América Latina e a prevaricação moral que quase sempre acompanha o poder são temas centrais de seus romances, costurados por estrutura complexa, com alternância de narradores, fusões de diálogos, fragmentação espacial e temporal. É o que chamou de romance totalidade, cujos exemplos mais notórios são “Conversa no Catedral” (1969) e “A Guerra do Término do Mundo” (1981).
Não poucos já perceberam aí uma flagrante incongruência. Há tempos se repete que Vargas Llosa é vanguardista na ficção e reacionário na política, mas talvez seus detratores fiquem surpresos ao ler a seguir que para ele não há capitalismo sem impostos ou que a direita erra por menosprezar o combate à desigualdade porquê secção forçoso do liberalismo.
Por sinal, em seu mais recente romance, “Tempos Ásperos” (2019), inspirado em episódios reais, uma multinacional que se recusa a remunerar impostos passa a propagar mentiras que acabam por derrubar, com o base da CIA, um governo democrático e progressista na Guatemala.
E voltando no tempo, rumo a uma entrevista de 1965 sobre o primeiro romance, o jovem Vargas Llosa, falando de Gustave Flaubert, seu herói literário, já parecia antecipar o impasse em que se veria metido. “Flaubert era um reacionário. Queria um governo de uma escol de super-homens, uma espécie de ditadura patriarcal. Mas, quando se pôs a ortografar ‘Madame Bovary’, essas convicções foram refutadas pela própria verdade viva que registrou.”
Há 60 anos, o senhor concluía seu primeiro romance, “A Cidade e os Cachorros”. O que foi mais marcante nessa estreia? Foi um romance que escrevi sobre minha experiência porquê cadete no Escola Militar Leôncio Prado, em Lima. Meu pai me colocou neste escola pensando que os militares seriam uma oposição a minha vocação literária. O curioso é que, no Leôncio Prado, me converti em repórter profissional, pois escrevia cartas que meus companheiros mandavam para suas namoradas.
Leôncio Prado tinha a novidade de receber alunos de toda secção. Havia meninos de famílias mais ricas e também de famílias camponesas. Era verosímil saber o Peru através do escola militar.
Toda sua obra futura parece estar contida neste primeiro romance. O libido de imaginar um grande quadro da sociedade peruana, a pouquidade de liberdade, os múltiplos narradores. O senhor já tinha noção do caminho que queria seguir? Mais ou menos. Não estava tão simples para mim isso, mas o romance tinha muita relação com os problemas de uma sociedade latino-americana. Havia as ditaduras militares, a falta de honestidade dos políticos, as grandes diferenças econômicas entre uma classe humilde e a pequena minoria de ricos. Esses têm sido, desde sempre, os temas que me motivam a ortografar sobre o Peru.
O senhor já se descreveu porquê um responsável do século 19, que procura seduzir o leitor pela emoção, pelo suspense, sem que questões intelectuais interfiram na fruição da trama. Ao mesmo tempo, suas histórias têm uma construção muito complexa. Porquê equilibra essa relação? Não palato que a técnica, que simplesmente tem porquê objetivo formatar uma história, dar maior profundidade e extensão a uma história, se sobressaia. O mais importante são as histórias, os personagens. Creio que não é muito importante a técnica para conseguir esses objetivos, mas a técnica facilita enormemente, ajuda a delimitar os narradores, permite contornar os tempos mortos.
Autores porquê Faulkner, Hemingway, Joyce, é simples, inovaram muito a estrutura do romance. Eles facilitaram, digamos, colocar muito mais histórias, mais personagens e situações em um romance do que antes, quando os escritores estavam muito mais limitados pela falta de técnica.
Em entrevistas, o senhor cita sobretudo Flaubert, a quem dedicou um belo livro, “A Orgia Perpétua” (1975), sobre a escrita de “Madame Bovary”, e Faulkner. Qual dos dois influenciou mais seus livros? Provavelmente Flaubert. É um responsável que me deslumbrou. Criou um novo tipo de realismo, muito preciso, em que havia um desvelo muito grande com a forma. Antes de ler Flaubert, uma das coisas que me desagradavam no realismo era a falta de rigor que havia na América Latina.
Logo, encontrar Flaubert, que dedicou cinco anos a “Madame Bovary”, me deslumbrou. Aprendi muitas coisas em Flaubert, sobretudo esse narrador, que ele compara a Deus, pois está em todas as partes, mas não é visível em secção alguma.
Mas também Faulkner é um dos meus autores favoritos, foi um grande romancista. Ele descreveu o mundo do sul dos EUA de uma maneira maravilhosa, a temática negra está maravilhosamente expressa em Faulkner. Ele enganava os jornalistas, dizia que era sobretudo um quinteiro, mas quando você o lê, descobre que era um responsável enormemente difícil, e que devia trabalhar com grande rigor seus romances.
Assim porquê em Faulkner, as mudanças de ponto de vista são constantes em seus livros. É fundamental essa alternância, pois, se você quer apresentar uma sociedade, deve mostrar distintos ângulos sociais e, para isso, precisa escolher distintos narradores. Sempre escolhendo um narrador que seja o Deus Padre e também narradores personagens, mas respeitando o que os personagens podem saber enquanto personagens.
Não é o mesmo que sabe um narrador onisciente, que tem visão de conjunto. Os personagens veem os outros personagens de maneira muito limitada, logo creio que isso está dentro da técnica realista.
O senhor, ainda bastante jovem, escreveu três romances muito sofisticados nos anos 1960: “A Cidade e os Cachorros”, “A Morada Verdejante” (1966) e “Conversa no Catedral”. Mas acho que pouco se fala de uma história curta desse período e também muito experimental, “Os Filhotes” (1967), na qual o senhor alterna as vozes narrativas na mesma frase, diálogos e monólogos, sem perder o fio da história. Seria esse seu texto mais ousado? De trajo, a técnica com que é narrada essa história não é para leitores preguiçosos, é para leitores muito ativos, que tenham uma imaginação livre, pois há um jogo com a narração coral daquele grupo de adolescentes.
Mas digamos que em todos os meus livros utilizei técnicas distintas, e as técnicas, porquê falei, são o que permitem ao romance moderno abraçar mais espaços. Se tivesse escrito “Conversa no Catedral” de maneira mais tradicional, teria resultado em um livro cinco vezes mais extenso. A técnica me permite sintetizar muito.
Mas eu não saberia explicar de antemão a técnica que vou usar em um romance ou até mesmo porquê foi que encontrei essa história. Há um elemento muito intuitivo que, muitas vezes, prevalece sobre o racional.
Posteriormente esse período de muita experimentação, o senhor buscou novos caminhos na dezena de 1970, histórias mais leves, de estrutura mais simples, porquê “Pantaleão e as Visitadoras” (1973) e “Tia Julia e o Escrevinhador” (1977). Sentiu qualquer esgotamento? Isso tem a ver com minha invenção do humor. Eu era muito pouco risonho na hora de ortografar. Creio que isso era uma influência de Sartre. No início de minha curso, tive muita influência dele, e Sartre era muito sério, porquê se colocasse paletó e gravata para ortografar.
Isso me provocou uma espécie de preconceito contra o humor. Fui me liberando disso depois, na Espanha,
e comecei a ortografar romances porquê “Pantaleão”, que tem um humor muito direto, natural. Em todo caso, sempre há os problemas da América Latina em meus romances.
Nesse período, nos anos 1970, o senhor foi se afastando da esquerda e se aproximando gradativamente da direita. A conversão ao liberalismo também explica isso ou alguma outra mudança em seus livros? Creio que não. Isso foi uma experiência que tive nos anos que vivi na Inglaterra, nos anos de Margaret Thatcher [1979-1990]. Impressionou-me muito a maneira porquê a Inglaterra, que havia entrado em decadência gradual, se levantava com grande pujança, convertendo-se no primeiro país europeu.
Comecei a ler muitos pensadores liberais, que a senhora Thatcher citava, que orientavam seu governo. Foi um período muito criativo para mim do ponto de vista intelectual. Ler Karl Popper, austríaco que emigrou para a Inglaterra, me impressionou tremendamente. Ou os economistas austríacos, que Thatcher consultou muitíssimo. Esses pensadores me apresentaram uma teoria de democracia de quem dinamismo vinha fundamentalmente do liberalismo.
Os críticos já apontaram que seus primeiros romances, quando o senhor estava mais próximo da esquerda, eram mais pessimistas e melancólicos, e que isso teria sido um pouco modulado à medida que o senhor se tornou um liberal. Os livros seguintes teriam um tom mais aventuresco, explorando lugares fora do Peru, fora do tempo presente, porquê “A Guerra do Término do Mundo”, que se passa na Bahia, sobre Canudos. Sim, devo esse romance a Euclides da Cunha, de quem “Sertões” me deslumbrou. Euclides me empurrou a ortografar sobre Canudos. Foi um dos romances em que mais trabalhei e dos quais estou mais orgulhoso. De trajo, foi uma mudança em minha obra. Saí do Peru para entrar no mundo latino-americano, lidei com personagens reais.
Podemos logo expor que ler esses autores liberais de alguma forma impactou sua literatura. Isso responde a uma fé ideológica. Quando estava no Peru, em grande secção pela relação com meu pai, sempre muito ruim, eu tinha um pessimismo muito grande sobre a possibilidade de os países subdesenvolvidos prosperarem.
Mas essa atitude mudou completamente na Europa, quando me tornei um liberal. O liberalismo tem dinâmicas que podem metamorfosear qualquer país, por mais carente de recursos que seja, em um país próspero.
No livro “O Chamado da Tribo” (2018), no qual apresenta os pensadores liberais que mais o marcaram, o senhor argumenta que o liberalismo vai muito além da pregação de livre mercado. Significa sobretudo a liberdade política e de sentença, o pluralismo de ideias e valores, a tolerância, os direitos humanos… Sim, proteger direitos humanos e fazer com que empresários paguem impostos. Infelizmente, os empresários se livram de remunerar impostos, mas isso não é capitalismo. Capitalismo é empresários pagando seus impostos, o que permite à sociedade prosperar.
Mas grande secção da direita hoje no mundo não tem uma visão muito limitada de liberalismo, se apegando unicamente a seu vista econômico, porquê o golpe de impostos que o senhor citou? Penso que isso é um grave erro, tomar somente o liberalismo porquê desenvolvimento econômico e não ter em conta os problemas que existem em cada sociedade. Isso o liberalismo mostra de maneira maravilhosa —cada sociedade tem uma problemática que deve resolver. A solução demanda um conjunto de medidas.
É o caso do Chile. O país desenvolveu-se muito, mas, os pobres encontraram uma barreira que não os permitia trepar à classe média. Isso produziu uma explosão de revoltas.
Isso explica a itinerário da direita em em eleições recentes na América Latina? Creio que a direita não foi muito clara na América Latina. No século 19, houve um liberalismo muito ativo, ia fundamentalmente contra a igreja e não se preocupava com a questão econômica. Agora, é muito importante a questão econômica, mas ela não pode fechar nossos olhos a outros temas sociais, que são também importantes em nossos países. Por exemplo, as grandes diferenças entre a classe empresarial e a classe trabalhadora. Essa preocupação deveria prevalecer no mundo do liberalismo, sobretudo em países latino-americanos.
Nas eleições brasileiras de 2018, o senhor disse que optar entre Bolsonaro e Haddad era porquê escolher entre o cancro terminal e a Aids. Recentemente, disse que prefere Bolsonaro a Lula. Bolsonaro cresceu em seu noção nesses quatro anos? Não, digamos que não tenho muita simpatia por Bolsonaro. Com sua posição sobre as vacinas, ele provocou uma verdadeira catástrofe no Brasil. Ou por outra, tem uma certa vocação pela palhaçada, não?
Mas Lula… No Peru, temos quatro presidentes com processos na Justiça [em decorrência da Lava Jato]. Em grande secção, todos eles foram vítimas de Lula, pois ele utilizava, digamos, a Presidência para subornar os governantes latino-americanos. No Peru, causou estragos.
Logo, não gostaria de estar na situação de ter que escolher entre Lula e Bolsonaro. Mas realmente nunca votaria em Lula. Ele foi um varão que corrompeu profundamente. Podemos expor que os dirigentes peruanos se deixaram subornar, mas Lula cumpriu uma função muito negativa no Peru [A delação da Odebrecht, que motivou processos judiciais no Peru, falava em pagamento de propina no país vizinho a pedido do PT, em troca de benefícios em licitações e superfaturamento de projeto; Lula foi citado na delação, mas nunca acusado formalmente por esses casos]
O senhor certamente sabe que os processos contra Lula na Lava Jato foram anulados. Sim, mas foram por questões técnicas, e alguns juízes também têm seus preferidos na política. Torço para que não elejam de novo Lula, pois ele está muito associado à prevaricação.
Porquê a disputa se concentra em dois candidatos, sobra logo Bolsonaro, que representa muitas das ideias que o senhor sempre combateu em seus livros, porquê o militarismo exacerbado e o autoritarismo. O senhor já reconheceu que, para um liberal, é muito difícil admitir Bolsonaro. Sim, muito difícil. Bolsonaro é um palhaço no fundo. É uma pessoa que tem uma vocação para a palhaçada, não é muito sério. A escolha é muito difícil. Ficaria feliz em não ter que opinar nesta eleição entre Lula e Bolsonaro.
O senhor é um caso vasqueiro de repórter que disputou uma eleição. Concorreu à Presidência do Peru em 1990, perdendo para Alberto Fujimori. Passados 30 anos, acha que foi um erro? Tudo resultou de um movimento que parou uma lei que nos parecia muito negativa, uma lei que pretendia naturalizar todos os bancos. Porquê eu dirigi esse movimento, e ele teve sucesso, me senti, de certa forma, empurrado a ser candidato. Mas nunca esteve entre meus sonhos ser um candidato à Presidência.
O livro “Peixe na Chuva” (1993), em que rememora sua campanha, apresenta uma visão muito negativa da política. A inaugurar pela título, com a citação de Max Weber de que quem se mete na política faz um pacto com o diabo. E depois o senhor conta que a política real tem pouco a ver com idealismo, solidariedade, e sim com intrigas, traições, desfaçatez. O que mais aprendi é que a prevaricação é imensa, chega a se estender por todas as partes da vida política. Esse é um dos grandes obstáculos para a filosofia liberal. As pessoas mais capazes não querem fazer política. Isso é um grave problema, pois deixa as piores pessoas fazerem política.
Embora na campanha Fujimori fosse um populista de esquerda, depois de eleito adotou muitas das medidas econômicas liberais que o senhor defendeu. Chegou-se a expor que o senhor, de certa forma, havia vencido a eleição, pois seu programa de governo estaria implementado. Depois, o senhor diria que essa associação foi a sua verdadeira itinerário. Sim, eu propunha uma democracia, Fujimori exerceu uma ditadura. Ele fez uma transição que eu nunca teria seguido. O projecto econômico estava muito, mas teria de ser feito na democracia, fortalecendo-a, não estabelecendo uma ditadura.
Para fechar a entrevista, gostaria de voltar à literatura. Trabalha em qualquer livro? Venho escrevendo um romance sobre a música peruana, com um personagem que é crítico músico. Ele tem a teoria de que a música pode aproximar os peruanos e liberá-los dos preconceitos.