Uma vez que comentei com vocês na última poste, a Ateneu Paulista de Letras faria nessa semana uma ação de plantio de árvores nativas da mata atlântica no Parque do Cordeiro Martin Luther King, na zona sul de São Paulo. A data escolhida para a ação, 17 de julho, coincide com o Dia Pátrio de Proteção às Florestas.
O parque é lindo, a manhã friazinha de firmamento evidente foi muito deleitável. Escrevo essas linhas pouco depois de voltar desse plantio que inaugurou o mata da Ateneu Paulista de Letras. Foi um dia próprio que contou com a presença massiva dos integrantes da “moradia de Lygia”.
Sou uma pessoa que saúda a natureza. Realmente me emociono quando sou visitada por borboletas, quando vejo um mico, quando estou em silêncio caminhando entre as folhas.
A partir do saber dos povos de terreiro, entendemos que as divindades são também manifestações da natureza. Ou seja, Iemanjá é o mar, Oxalá é o ar, Oxum é a cascata e assim por diante. Uma versão provável dos itãs —uma vez que são conhecidos os relatos míticos— é enxergar características de cada uma dessas manifestações.
Oxóssi, o grande rei de Ketu, é o possessor da mata. Uma vez que contam itãs, ele é o caçador de uma flecha só que entra sozinho na floresta. Ele estuda sua caça e antevê seus movimentos. É hábil, taciturno e preciso. Longe dali, na comunidade, a expectativa da sua chegada é subida, e a caça será festejada.
Mas, a independência de Oxóssi vai muito além de uma noção de autonomia no meio da mata. Ele é jactancioso e caça pela comunidade, não por obrigação. E quantas são as histórias sobre ele que falam de rebeldia, pois sua independência é o seu muito irrenunciável.
Em uma delas, notório dia, Oxóssi vai caçar na mata e encontra Ossaim, o possessor do sigilo das folhas. Oxóssi se encanta por ele e decide não mais voltar. Depois de qualquer tempo, Iemanjá, sua mãe, manda Ogum, o irmão mais velho, buscá-lo, e Oxóssi volta, mas para se despedir. Embora sejam diferentes, mata e mar seguem se encontrando em alguns paraísos da costa brasileira.
A propósito, façamos um movimento de retorno para pensar a mata a partir de Oxóssi. Nesse sentido, só se pode conectar com a mata se houver saudação. Do contrário, a rebeldia é certa, pois a mata não precisa de você. Mas você depende dela para respirar, se nutrir e aquecer.
A inauguração do mata foi a compreensão desse saudação. Ao plantar a jabuticabeira que homenageia o patrono da sua cadeira, o sociólogo José de Souza Martins resgatou a origem etimológica da árvore. Jabuticaba vem do tupi-guarani e pode ser traduzida uma vez que fruta do jabuti.
Uma vez que explicou em seu oração de homenagem, a árvore fica carregada várias vezes ao ano desse fruto suculento. Os jabutis se reúnem ao pé para comê-los e os trituram com suas placas ósseas que funcionam uma vez que uma espécie de dente —e dessa secção me recordo muito muito, pois fiquei impressionada com a riqueza de detalhes sobre os dentes do jabuti ali no improviso.
Os jabutis, com a digestão do fruto, acabam por plantá-la em toda a mata. Tal foi a confederação entre jabuti e a árvore, que esta foi chamada de jabuticabeira.
Agora, veja uma vez que a mata é complexa e funciona em trocas que se somam. A árvore alimenta o jabuti, e o jabuti a semeia. Há uma lógica de colaboração, não de exploração. E já que independência é o mote do texto de hoje, a jabuticabeira independe dos jabutis para a terreno fertilizar, pois também alimenta os pássaros que ali fazem seus ninhos.
Por outro lado, o jabuti independe da jabuticabeira, pois se alimenta de outros frutos. Certamente, é menos gostoso, menos gula, mas parafraseando o ditado se não temos jabuticabas, cacemos com folhas.
Coindependentes, jabuti e jabuticabeira estabelecem uma relação de imenso sucesso. Tal qual a árvore começa a se encher, o jabuti cresce em expectativa e comemora a chegada do primeiro fruto e da safra que se seguirá dele.
E, assim, a jabuticabeira foi plantada. Libido vida longa e multiplicação para aquela árvore que homenageia a cadeira 22. É uma cadeira que me toca, pois, além de estar muito muito representada de José de Souza Martins, ela foi antecedida por Ruth Guimarães, a primeira pessoa negra da história da instituição.
Costuma-se manifestar que Oxóssi também é o caçador de esperanças. Plantar árvores é semear projetos de saudação, autonomia e porvir.
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