Livro Aproxima As Criações Artística E Gastronômica 12/11/2024

Livro aproxima as criações artística e gastronômica – 12/11/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Acho que um bom artista tem que saber cozinhar”, afirmou Moisés Patrício em conversa com Solange Borges no livro “Desreceitas: Dez Processos Artísticos”, idealizado pela artista e chef Rose Klabin e organizado por Rodrigo Villela.

Patrício é formal, mas é multíplice qualificar um prato ou obra de arte. O sabor, estético ou do paladar, é construído por muitas camadas de memórias pessoais, vivências sensoriais e referências históricas e culturais.

Esse repertório, que transforma a experiência de cada um, é unicamente um entre muitos conceitos que atravessam as entrevistas, conduzidas por Klabin e convidados, sobre os encontros entre o universo da gastronomia e da arte. Ela escolheu nove artistas que conversaram, enquanto cozinhavam, com psicólogos, agricultores, poetas, designers, cineastas e chefs.

A teoria inicial era reunir receitas de artistas, mas o resultado é uma instigante publicação sobre processos criativos. O décimo, sugerido no título, é o da própria Klabin. “O livro é a minha obra, um registo de toda pesquisa”.

De um lado temos criativos que usam o próprio maná porquê material e símbolo, propondo discussões políticas, sociais, econômicas, psicológicas, ambientais e espirituais. Do outro, artistas que não apresentam uma relação direta com a comida, mas ressaltam métodos e reflexões ligados à geração artística e culinária.

Os gestos em generalidade passam por experimentos visuais e sensoriais; pela transmutação e ressignificação de imagens, objetos e substâncias; pela consciência do tempo e das dinâmicas de ecossistemas; pelo ritual e repetição cotidiana; pela disciplina e liberdade.

O primeiro interesse geralmente é plástico. Muitos compõem pratos porquê elaboram suas telas e esculturas. “Cozinhar para mim é uma espécie de pintura expandida, porque você tem que trabalhar a constituição, as camadas e os tempos”, sugere Patrício.

Heloisa Hariadne tem miséria de cores e sensações e procura fazer “pinturas suculentas”. Ela reformula a “Roda dos Prazeres”, de Lygia Pape, ao propor um jogo com o imaginário e os sentidos por meio de refeições monocromáticas. A perdão está em se surpreender com os diferentes aromas, gostos e crocâncias de uma mesma cor.

Hariadne foi crudívora por alguns meses e garante que a experiência ajudou em seu processo criativo. “Mudou totalmente a minha sensibilidade, meu tato. Senti as coisas com mais profundidade, mais preâmbulo.”

Outra artista apaixonada por verduras e frutas in natureza é Sonia Gomes. Ela sempre teve um jeito próprio de não concordar ou se encaixar em categorias, costumes e convenções naturalizadas ou impostas. Customizava suas roupas, desde a juventude, e nunca gostou da gastronomia mineira. O problema, ela diz, é que na vivenda onde cresceu tudo era cozido demais.

Ela queria provar os sabores, tons, texturas, fibras e brilhos dos tecidos e dos mantimentos e, por isso, logo aprendeu a fazer também as próprias refeições. Compreendeu que gostava de ingredientes crus com suas “surpresas e composições fantásticas”.

A rebeldia e independência de Gomes, que nega regras ou receitas prontas, também aparecem nas obras e menus de Marcos Chaves e Maria Klabin. “Técnica, conhecimento e história são ferramentas. Isso não significa que você vai ser uma boa artista”, diz Klabin.

“É preciso ter coragem e liberdade”, afirma Chaves. “Às vezes fica uma porcaria!”

Numa mistura de Duchamp e Lacan, ele ficou sabido por ressignificar imagens e textos. “Tanto a minha relação com a arte quanto com a comida tem foco em transformar os sentidos”, diz.

Ayrson Heráclito ocupa os museus com os ingredientes usados em ebós para falar de espiritualidade e invocar atenção para estruturas de poder dos engenhos coloniais. O açúcar, por exemplo, está ligado não só ao sistema escravocrata, mas também a uma espécie de colonização do paladar, onde “o rebuçado está vinculado ao afeto e ao guarida e é, ao mesmo tempo, um problema de saúde pública”, porquê diz Nati Quina em conversa com Felipe Ribenboim sobre os sistemas que capitalizam o rotina cevar.

“Há uma insistência em expressar porquê as coisas devem ser feitas, olhadas e experimentadas”, ela afirma.

Não parece à toa que o pão tenha sido a escolha de Quina e Débora Bolzsoni —as duas artistas que expõem críticas sociais com mais afinco. “O pão com manteiga está presente em várias classes sociais, de maneiras diferentes.”, diz Quina. Ela explora o universo gástrico e seus fluxos e entende a comida porquê um tanto que passa pela boca, é absolvido e entra em todos os espaços do corpo.

O pensamento sobre as relações entre interno e exterior também permeia o “pãogobó” de Bolzsoni. Símbolo da partilha, o pão representa, cá, o modernismo brasílico, um movimento que trabalhou na chave do privilégio e exclusão. E a pergunta que fica é: Quem, finalmente, tem aproximação a esta arquitetura que protege e ao maná que nutre?

Ambas as artistas apresentam, ainda, problemáticas ligadas ao gênero. Bolzsoni contesta o trajo de a arquitetura ser associada ao masculino e a cozinha ao feminino. Já Quina reforça que a memória afetiva da alimento remete, na maioria das vezes, à recordação da avó, não do avô. E que o feminino está conectado ao desvelo e ao doméstico, enquanto a figura do chef profissional está ligada ao masculino, pela frieza da técnica, lucro de capital e ocupação de um lugar público.

“Por isso temos que tomar desvelo com essas palavras que geram categorias e vão se naturalizando.”, diz Quina.

É interessante notar, entretanto, que os homens selecionados são os que mais falam sobre conexão, munificência e carinho —Patrício, Chaves e Nazareno são puro afeto.

“É difícil comandar uma cozinha sendo mulher, é um envolvente predominantemente masculino e militar”, diz Rose Klabin. “O sistema da arte é também complicado e, talvez por isso, as mulheres adotem uma postura mais política, fogem desse lugar afetivo. Por outro lado, muitos homens artistas querem resgatar essa sensibilidade.”

De trajo, aguçar sentidos é fundamental para o trabalho no estúdio e plantar, colher e cozinhar ajuda desenvolver percepções e assimilar possibilidades de transmutação —seja ela física, química, visual, sensorial ou simbólica.

O ateliê e a cozinha são espaços de experimentação, onde é verosímil olhar para o mundo, e para si, sob diferentes perspectivas. Desviar, vergar, inverter visões. Respeitar o tempo, concordar o erro e, às vezes, abraçar o eventualidade e o improviso. Se cevar, digerir e produzir um tanto novo e verdadeiro, pois a comida e arte, porquê afirma Patrício, “nos conecta porque de alguma forma há coisas que a vocábulo não dá conta”.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *